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Não costumo ver filmes e depois ler os livros que lhes deram origem; o inverso é mais verdadeiro. Porém, ao ver “A Casa dos Espíritos”, de Isabel Allende, hoje na Saraiva, não resisti. Culpa do filme, que conta com atuações ímpares de Meryl Streep, Glenn Close e Jeremy Irons. Preciso confessar meu preconceito com a autora; lembro-me da coleção de exemplares dela que minha madrinha comprava no Círculo do Livro (ainda existe?), ao lado de inúmeros romances bobos e fracos, e acreditava que ela estava no mesmo nível desses anônimos dos quais nem recordo nomes. Entretanto, ao ver o filme, a saga de uma família chilena até o golpe de Salvador Allende, mudei de opinião. Claro que ainda não li o livro, mas acredito que um bom filme vem de uma história original muitíssimo bem elaborada. Elaborarei melhor minha posição após lê-lo.

Além de “A Casa dos Espíritos”, adquiri outro mimo. Trata-se de “Amor em Minúscula”, de Francesc Miralles. É uma história sobre um professor que no primeiro dia do ano ganha um companheiro inesperado: um gatinho tigrado. E vê sua vida florescer após isso. Não sei muito sobre o enredo ainda, mas ao ler ansiosa as primeiras páginas, pareceu-me bem escrito. Mas não vou me precipitar. Por hora, ficam as promessas de novas impressões literárias. :)

Maratona mágica

os sete hp e beedle, o bardo

os sete hp e beedle, o bardo

Enfim terminei o que havia proposto durante meu período de licença de saúde: ler na sequência a série Harry Potter, de JK Rowling. Antes que me condenem por ler livros de criança (adolescente), best seller que todos já conhecem a história, devo ressaltar que sou fã da saga do bruxinho da cicatriz.

Quaisquer que sejam as críticas, um fato é inegável. Rowling foi brilhante ao criar um mundo mágico personificado pelo personagem principal. Que pré-adolescente ou criança nunca se sentiu isolado, diferente, com aquele desejo de ser especial, longe do lugar-comum? É exatamente o que Harry obtém, na noite de seu aniversário, a certeza de que não é igual aos outros. A grande sacada da autora foi conseguir de forma ímpar misturar a fantasia de Hogwarts com questões universais como amor, amizade, família e lealdade.

Não vou resumir as tramas, acredito que o bom leitor já deve ter pelo menos lido algum exemplar de HP à vista. Confesso que foi a curiosidade que me levou à obra. A irmã caçula de uma amiga era fanática pela série, que recém chegara acredito que ao terceiro volume. Ciumenta, ela não emprestava para ninguém, só pude folheá-lo rapidamente. Resolvi então, numa livraria, ler algumas páginas. Achei interessante, mas deixei para lá.

Depois de algum tempo, comprei os três primeiros livros em promoção por impulso. Li o primeiro, em seguida o segundo, por fim, o terceiro. Fiquei encantada! Que grande ideia, que ótima trama! Ansiei pelos novos como as crianças e adolescentes. Vi os filmes notando as diferenças entre mídias. Admito, fiquei fã.

baú desejável

baú desejável

Porque HP, Rony e Hermione são personagens irresistíveis. Amigos leais, crianças que crescem, aprendem, aprontam, sofrem, brigam e fazem as pazes. E nesse meio tempo lutam contra a ameaça do Lord das Trevas. É fascinante descobrir os meadros de Hogwarts, as particularidades do mundo bruxo, os feitiços, as poções, as criaturas extraordinárias. Como não querer participar de um chá rodeado de criaturas estranhas e quitutes duvidosos na casa de Hagrid? Como não se encantar com o expresso que leva à escola ou desejar poder experimentar o Chapéu Seletor e descobrir, enfim, para qual casa se vai? O livro tem isso de bom, te leva à infância em questão de segundos. Invejo essa geração que pode crescer em companhia desses personagens.

Meus livros prediletos são, em ordem, HP e o Prisioneiro de Askaban, e HP e o Enigma do Príncipe. O primeiro, porque me causou enooorme surpresa: de repente, a reviravolta. Foi emocionante descobrir a verdade. O segundo porque é onde começamos a conhecer um pouco mais de Snape – ainda que só se descubra que o tal príncipe mestiço é ele no fim.

Mas há passagens interessantes em todos, claro. Gosto da cena de ciúmes de Rony, quando este descobre que o acompanhante de Hermione no baile não é ninguém menos que o astro do quadribol Viktor Krum; adoro as passagens sobre as aulas de feitiço, herbologia e transfiguração; os objetos mágicos; os quadros que se mexem; as listas de livros e material escolar; Bichento, Edwiges e outros animais mais raros… Realmente, um mundo bem construído em que Rowling valoriza todos os detalhes.

Mas não posso deixar de falar também de Os Contos de Beedle, o Bardo. Considero uma grande despedida dos personagens que acompanhamos por sete anos. Enriquecedora ainda com os comentários de Dumbledore sobre cada conto. É uma pequena obra para ler e reler, mais ainda que a série HP. Mas Beedle é assunto para um próximo post… Por hora, recomendo principalmente para adultos essa leitura. Quem sabe assim não podemos olhar o mundo por uma ótica mais mágica?

O Irã em quadrinhos

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Comecei a terceira leitura de “Persépolis” esta semana. E cada vez que releio os quadrinhos de Marjane Satrapi fico mais impressionada com sua riqueza. Minha ignorância era tanta sobre o Irã que nunca imaginei que antes da revolução de 1979 o país era um dos mais cultos e ocidentalizados do Oriente Médio.

Para quem ainda não teve o prazer de folhear as HQs de Persépolis, a história é uma autobiografia da autora/desenhista. Acompanhamos a pequena heroína a partir de seus 10 anos, bem na época da revolução islâmica de 1979. Educada em uma escola francesa laica, apesar da pouca idade, Marjane estranha as mudanças. De repente, as meninas deviam usar véu e foram separadas dos meninos de sua turma. Isso foi só o início de uma época de retrocesso cultural, educacional e político no Irã. Retrocesso ilustrado com maestria e bastante seriedade aos olhos de uma criança.

De família liberal, Marjane mostra-se bastante politizada e cresce sabendo em que realmente acreditar. É fascinante pensar que, enquanto minha preocupações nesta idade eram os penteados da minha Barbie, uma menina lá no Oriente Médio conhecia a história de bravura de sua família e chocava-se com a intolerância de seu mundo. Assim ela cresce, brincando de ser Che Guevara e sempre respondendo com autenticidade às autoridades islâmicas – qualidade que mantem depois de adulta e que lhe trouxe tanto problemas quanto reconhecimento.

O grande baque da vida de Marjane é aos 14 anos, quando seus pais decidem enviá-la para em exílio para Áustria e fugir da guerra entre Irã e Iraque. Lá, ele se perde em drogas, apaixona-se e decepciona-se, questiona sua identidade e tenta resgatar seus laços familiares. Não vou contar tudo para não perder a graça da descoberta deses quadrinhos, mas o retorno ao Irã, aos 18, a impressiona. Mas é de volta à sua terra natal – agora Teerã é uma cidade de mártires, os nomes dos mortos são ostentados em cartazes e ruas da cidade – que ela entra em uma nova fase de sua vida: a aceitação do regime xiita. Aceitação em termos, Marjane é e sempre será uma revolucionária, um espírito livro e moderno em uma cultura oprimida pelo terror e fanatismo.

A obra se divide em quatro volumes, mas preferi comprar a edição completa (estava em promoção e assim poderia concluir toda a história). O filme baseado nos quadrinhos recebeu indicação ao Oscar de Melhor Animação. Ainda não assisti, mas pelo teor das HQs, acredito na qualidade do longa. Aliás, um detalhe tanto da história quanto da película: os desenhos são todos em preto-e-branco, dramáticos, com traço simples, valorizando seu o melhor – um enredo simplesmente incrível.

Era uma vez um gatinho…

Em uma manhã de segunda-feira, após uma das noites mais frias do inverno de 1988 na cidade de Spencer, no Estado de Iowa, EUA, a bibliotecária Vicki Myron chegava para mais um dia comum de trabalho. O que ela não imaginava, entretanto, era o quanto sua vida iria mudar a partir de então. Ao recolher os livros deixados durante o fim de semana na caixa de coleta da Biblioteca Pública, ela encontrou uma surpresa: em um cantinho entre os exemplares de devolução, estava um pequeno gatinho de cerca de 2 meses, abandonado à sua própria sorte.

Sorte, aliás, que seguiria sempre com o filhote ruivo. Adotado por Vicki e por todos os funcionário da biblioteca, ele foi batizado de Dewey Readmore Books (Dewey leia mais livros, na tradução) e acabou tornando-se atração local, mudando a rotina da pequena cidade e de seus habitantes. Mais ainda: em uma época em que a internet era um sonho distante, Dewey alcançou fama mundial, e sua história emocionou crianças e adultos dos mais diversos lugares – que muitas vezes viajavam grandes distâncias para somente conhecê-lo.

Essa é a cativante história real de “Dewey – Um Gato Entre Livros”. Narrativas sobre animais de estimação sempre têm apaixonados de plantão para devorá-las com lágrimas nos olhos. Mas o diferencial da história de Dewey é a mudança provocada pelo novo morador da Biblioteca Pública de Spencer em toda uma cidade. Encantador, o pequeno gato peludo cor de laranja parecia saber exatamente, entre os frequentadores do local, aqueles que precisavam de mais atenção e conforto. Incrivelmente sociável para um gato (sou dona de 4, conheço a atitude blasé natural dos felinos), Dewey virou a razão de muitos para visitarem a biblioteca – almejando por seus carinhos ou apenas para poder observá-lo dormir sobre os livros, passear de  carrinho entre as estantes ou fazer gracinhas felinas típicas.

O sucesso inesperado do gato, primeiro nos Estados Unidos e depois pelo mundo – a imprensa japonesa esteve no local para filmar o felino -, reflete-se até hoje: Dewey tem um link especial no site da Biblioteca Pública de Spencer, além de sua própria página no Facebook e no Flickr.

É uma leitura leve, rápida e fácil. Uma história para os amantes de livros e, principalmente, de gatos. Boa pedida quando se quer um pouco de distração literária.

há livros que merecem ser lidos, relidos, trelidos por n razões, tantas que precisaria de outro post para explicá-las. Esse é o caso de A História Sem Fim, de Michael Ende. A beleza e o encanto dessa narrativa vão além do seu público infanto-juvenil. Mostram a busca pelos sonhos e o amadurecimento através da dor, da perda e das escolhas, que nem sempre são boas, mas são o que são.

Talvez o pessoal da minha geração (nascidos na década de 70) se lembre do filme homônimo que narrava as aventuras de Bastian Baltasar Bux, Atreiú e seu fiel dragão da sorte Fuchur. Eu sei que vi, mas honestamente não lembro. O que é até melhor, pois como costumo preferir os livros aos filmes, senti-me sempre livre em imaginar os personagens como desejasse.

Mas voltemos à história: Bastian é um menino gordo, frágil que costuma ser hostilizado por colegas e professores, pratíca comumente chamada de bullying. Um dia, ao fugir de uns garotos de sua classe, ele entra numa livraria. Lá acaba roubando um livro de capa cor de cobre com duas serpentes enroladas, mordendo a cauda uma da outra. Esse livro se chama A História Sem Fim e, para poder lê-lo sossegadamente, Bastian vai até sua escola e se esconde no porão. Ali, acompanhando como leitor as aventuras do jovem Atreiú em busca da cura para a doença da Imperatriz Criança, o menino descobre que sua vida está intimamente ligada à do reino encantado chamado Fantasia.

Não quero estragar a surpresa de quem ainda não leu, por isso não vou resumir muito a história. Basta falar que nessa aventura Bastian vai do bem ao mal conforme sua vontade. E aprende que é preciso desejar com o coração para descobrir seu caminho (muitas vezes tortuoso). uma das passagens quem mais gosto da obra é sobre a Cidade dos Antigos Imperadores, que mais lembra uma espécie de sanatório para seres humanos sem lembranças, para aqueles que não conseguiram retornar para o mundo dos homens.

O livro tem algumas particulares. É todo escrito em duas cores – cobre para a realidade de Bastian e verde para a narrativa de Fantasia. São 26 capítulos e cada um começa com a letra seguindo a ordem do alfabeto. Seres mágicos, de boa ou má indole, recheiam a narrativa, que tem a capacidade envolver o leitor sem que ele perceba. Quando tu vês, estás totalmente mergulhado nesse mundo fantástido de Ende. Quem nunca imaginou uma terra com fadas gnomos e todos os seres que povoaram a infância?

Outra característica marcante é a presença de várias histórias dentro de histórias, que sempre dão margem à imaginação. Eu já ficava imaginando o destino de cada personagem que passava pela história principal, o que teria acontecido, como foi etc. É um exercício de criatividade tentar mergulhar no espírito de Fantasia.

Mas não pensem que é um livro light. Ele fala sobre alguns conceitos importantes como vida, morte, amor, orgulho – dualidades em geral. A própria figura da Imperatriz Criança é ambígua por aceitar todos os seres como eles são, sem fazer quaisquer distinções. Para mim ela representa o equilíbrio intocável de Fantasia.

Aqueles que lêem razoavelmente rápido como eu chegam facilmente ao final das quase 400 páginas em poucos dias. Na linha das obras impecáveis de Tolkien, A História Sem Fim é um clássico que merece ser tratado como tal. Uma boa leitura para jovens e adultos, como um break dessa vida maluca e real que vivemos no cotidiano. E é também um convite irresistível: é impossível não ficar instigado com um livro cuja única descrição em sua orelha é:

“Fantasia é a história sem fim escrita num livro de capa cor-de-cobre que estava no sótão de um colégio. Agora, ele está na sua mão.”

admirável mundo novo?

um dos pontos mais interessantes em Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley,  é a revolução social produzida pela tecnologia. O desenvolvimento das ciências, especialmente a biologia, caminha para o resultado final: seres humanos geneticamente manipulados, programados e prontos para ser exatamente aquilo que seus criadores propuseram que eles fossem. Dessa forma, temos seres Y, Alfa e Beta, cada um nomeado a partir do papel que terá na sociedade de Huxley. Sem questionamentos, sem dúvidas, vidas prontas para serem felizes – uma felicidade absolutamente vazia de sentido, é verdade – nesse mundo perfeito e asséptico. choca, mas ao mesmo tempo, absurdamente possível.
outra questão válida é a total censura às artes em geral. o conhecimento literário, teorias revolucionárias, todo o aprendizado humano em séculos de história e cultura é expressamente proibido. os seres do mundo novo não têm idéia de quem foi Shakespeare, Da Vinci ou qualquer outro artista. Isso por que a melhor forma de controlar essas massas foi criando-as com uma ausência de emoções. Há instintos (sexo, fome etc) mas não pode-se envolver emocionalmente com alguém. E a arte é um estímulo para os sentimentos devendo, dessa maneira, ser totalmente obliterada.
a figura do selvagem surge na história como um contraponto chocado e deslocado nesse mundo admirável. ele é o olhar humanizado em uma sociedade oca, manipulada e suprimida de emoções. são suas reflexões sobre esse “futuro presente” que legitimam a genialidade de Huxley. é, sem dúvida, uma obra ótima para reflexões. e infindáveis saraus literários em botecos da Cidade Baixa.

…a civilização não tem absolutamente necessidade de nobreza nem de heroísmo. Essas coisas são sintomas de ineficiência política. Numa sociedade adequadamente organizada como a nossa, ninguém tem oportunidade de ser nobre ou heróico. É preciso que as condições se tornem essencialmente instáveis antes de que se apresente tal oportunidade. Onde há guerras, vassalagem, tentações às quais resistir, objetos de amor a serem conquistados ou defendidos – aí, é óbvio, a nobreza e o heroísmo fazem sentido. Mas hoje em dia não há guerra. Toma-se o maior cuidado para impedir as peossas de amarem demasiado quem quer que seja. Não há vassalagem, as pessoas são de tal modo condicionadas que não podem deixar de fazer o que devem fazer. E seu dever é no conjunto tão agradável, seus impulsos naturais podem ser satisfeitos tão livremente, que não há tentações a que resistir. E se acontcer, por algum mau acaso, algo desagradável, então há sempre o soma para ajudá-lo a fugir dos fatos. E sempre há soma para acalmar uma ira, para reconciliá-lo com os inimigos, para o tornar paciente e tolerante…”

comprinhas

mais duas aquisições para minha humilde biblioteca: A Sangue Frio, de Truman Capote (que já li mas não tinha ainda) e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. Ambos na Traça. Em breve, posts sobre eles aqui! :)

enquanto voltava pela estrada num fim de tarde chuvoso até Porto Alegre, terminei de ler O Homem Duplicado, de José Saramago. A leitura, que em princípio parecia lenta e enrolada, surpreendeu-me: a ação presente na segunda metade do livro fez com que o devorasse em bem menos das cansativas 4h30min de viagem.

não, não se trata de um livro ímpar como Ensaio sobre a Cegueira. Mas é excelente e conseguiu com que eu não desgrudasse dele desde o momento em que li a primeira página. No entanto, ao contrário de Ensaio…, O Homem Duplicado pareceu-me uma excelente história para virar roteiro de cinema. Sim, acredito que muitos já saibam, mas não custa repetir aos mais distraídos: o brasileiro Fernando Meirelles está filmando Blindess, filme baseado em Ensaio. Com o aval do próprio autor. não gostei de saber disso; o livro é completo por si só e qualquer tentativa de cinematografá-lo parece fadada ao fracasso – ou no máximo, a um comentário do tipo “ficou bonzinho, mas não está à altura da obra original”.

Aos curiosos e interessados, o Meirelles dispõe de um blog bastante interessante sobre o to do de Blindness. O legal foi que ele pensou em um casal em particular como dois orientais. na minha imaginação de leitora, além de eles parecerem mais velhos, definitivamente não tinham os olhos de risquinhos que gosto tanto.

Bem, voltemos a O Homem Duplicado, que conta a história de um comum professor de História chamado Tertuliano Máximo Afonso. Divorciado e sem muitas distrações, ele aceita num dia a sugestão de um colega – que aqui só é conhecido como o professor de Matemática do colégio onde Tertuliano trabalha – de assistir a um filme comum, uma comediazinha que rende-lhe poucas risadas. Porém, um ator de segunda impressiona Tertuliano: é simplesmente sua cópia fiel. Mesmos trejeitos, voz, aparência, tudo em um é igual a outro, como gêmeos siameses. A partir daí, o professor de história fica obcecado e resolve descubrir a identidade de seu duplicado. Nessa saga até o encontro final dos dois iguais, muita água passa sob a ponte. Conforme a busca pelo ator segue, a tensão cresce – até chegar a um ponto onde parece que tudo se acalma. Ledo engado, pois é aí que a história fica de fato instigante. Não pretendo contar muito para não estragar a surpresa para futuros leitores, mas o final lembrou a categoria dos melhores contos e histórias de suspense e terror. Um certo quê de Stephen King, mas com muito mais profundidade e questionamento, com certeza. Eis das várias passagens interessantes da obra:

“Desprenderam-se devagar, ela sorriu um pouco, ele sorriu um pouco, mas nós sabemos que Tertuliano Máximo Afonso tem uma outra ideia na cabeça, que é retirar das vistas de Maria da Paz, o mais depressa possível, os papéis reveladores, por isso não se estranha que quase a tenha empurrado para a cozinha, Vai, vai fazer o café enquanto eu dou uma arrumação a este caos, e então aconteceu o inaudito, como se não desse importância às palavras que lhe saíam da boca ou como se não as entendesse completamente, ela murmurou, O caos é uma ordem por decifrar, Quê, que foi que disseste, perguntou Tertuliano Máximo Afonso, que já tinha a lista dos nomes a salvo, Que o caos é uma ordem por decifrar, Onde foi que leste isso, a quem o ouviste, Ocorreu-me neste momento, não creio que o tivesse lido alguma vez, e, ouvi-lo a alguém, isso tenho a certeza que não, Mas como foi que te saiu uma frase dessas, Que tem de especial a frase, Tem muito, Não sei, talvez fosse porque o meu trabalho no banco se faz com algarismos, e os algarismos, quando se apresentam misturados, confundidos, podem aparecer como elementos caóticos a quem não os conheça, no entanto existe neles, latente, uma ordem, na verdade creio que os algarismos não têm sentido fora de uma qualquer ordem que lhes dê, o problema está em saber encontrá-la, Aqui não há algarismos, Mas há um caos, foste tu mesmo que disseste…”

Realmente gostei de O Homem Duplicado. Não é, com certeza, a obra-prima de Saramago, mas tem o mérito de utilizar uma situação insólita, levando-a a níveis extremos de esquizofrenia e dúvida. Merece destaque na minha biblioteca como uma obra a ser relida, reavaliada e recomendada aos amantes da boa literatura. Só falta-me agora comprá-lo, pois o que li era emprestado de um colega do jornal.

anne, viktor e a guerra

O livro veio de presente, numa caixa daquelas de encomendas dos Correios, endereçada a mim no jornal. A supresa foi um exemplar (deliciosamente vindo de sebo da Borges) do livro “O Diário de Anne Frank“. A sinopse acho que todo já estudou a Segunda Guerra Mundial conhece: Anne era uma menina judia de 13 anos, que tinha uma vida despreocupada e feliz em Amsterdã, capital da Holanda. Porém, a vida dela muda à medida em que a força de Hitler cresce, e ela e a família (e mais outra família, os Van Daan) são obrigados a se esconder. É lá que a menina narra suas angustias, dúvidas, brigas e inquietações, de uma maneira às vezes infantil, outras de uma clareza maior do que qualquer adulto.

não foi a primeira vez que tive contato com esse livro. Quando tinha uns 14 anos, havi a na casa de uma grande amiga (na verdade, minha melhor amiga na época da adolescência) um exemplar do livro – justamente da mesma edição que 14 anos depois fui ganhar de surpesa. Coincidência? Talvez. Mas o fato é que naquela época comecei a lê-lo. E sabe-se lá por que não acabei a leitura. Quem sabe não estava pronta para isso, ou faltou uma oportunidade. Nem entendo por que não pedi o livro emprestado – tinha achado interessante. Deve ter sido um daqueles arroubos de adolescência e minhas atenções podem ter se focado em outros livros e momentos.

O fato é que, em poucos dias, fui cúmplice de Anne e todas as suas doces bobices e alegrias. Fui sua companheira durante suas dúvidas, tristezas, seus momentos depressivos e sua precoce maturidade, atingida devido à dureza da guerra. Ri de alguns comentários típicos de adolescente (como somos bobos e fazemos dramas nessa idade!), mas as lágrimas só saíram no epílogo, quando realmente o final trágico- e conhecido – se cumpre. Assim como se cumpriu com muitas vítimas de uma guerra absurda e sem sentido.

há outro livro sobre relatos da Segunda Guerra que li, esse na faculdade, por conta de um fantástico e cativante professor de Filosofia chamado Luciano. O livro em questão é “Em Busca de Sentido“, de Viktor Frankl. Foi uma das aulas mais lindas que tive na Pucrs, inesquecível. Esse é um relato dos campos de concentração, de um psiquiatra que sobreviveu ao terror. Uma realidade que Anne também viveu, mas não teve oportunidade de sobreviver para relatar à sua amiga imaginária Kitty (a quem ela se dirige no diário).

dos Frank, somente o pai de Anne, Otto, sobreviveu. Dizem que o diário da jovem judia é uma fraude. há várias páginas na internet que levam a essas suposições. não sei se foi um relato verdadeiro ou não. e isso nem me interessa. o importante é o significado que esse livro teve (e tem) para todas as vítimas do nazismo.

definitivamente. foi o primeiro livro do Zygmunt Bauman que li e me aterrorizou horrivelmente. Por quê? Simples. Tudo ali é exatamente como o mundo, as pessoas, o consumo, a vida está. Ele teorizou algo que no íntimo eu tinha percebido mas ainda não tinha racionalizado. Não totalmente – eram pensamentos que mais pareciam espasmos e observações do tipo “isso está errado” e “não deveria ser assim”. Uma sensação incômoda, como se eu não sentisse pertencer ao mundo, à vida em que vivo. Parece bizarro? Talvez. Mas se isso te faz sentido, é hora de ler Amor Líquido.

Esse livro mexeu muito comigo. Porque fala de amor. De um amor além do de um casal. Ele te leva até à xenofobia e ao combate a imigração de muitos países europeus. Incrível como o amor (ou melhor, a falta de) pode causar tanto estrago. Pessoas descartáveis como um lenço de papel. Você só me serve enquanto me proporcionar prazer em todos os sentidos. Mesmo assim, não me apego, pois há tantas possibilidades por aí a espera de uma chance de fornecer-me outros & novos & descartáveis prazeres e sensações. Não faz sentido ficar preso, ligado somente a uma relação/pessoa.

Não me apego o c.! Esse tipo de liquidez não serve para mim. E acredito que para ninguém, pois não conheço quem goste de se sentir usado. Tá, não posso falar pela maioria, parto do meu próprio e humilde umbigo. Mas acredito que há muita gente que concorde comigo. Até porque tenho visto tantas pessoas próximas totalmente desapontadas com o amor. Desistem. Ou melhor, ficam numa espécie de standy by, esperando que talvez a sorte e/ou o acaso e/ou o destino tragam alguém que acabe com esse estado de inércia. O problema é que parece que o amor líquido vai totalmente de encontro a isso. Isso me lembra uma cantiga de roda… “O anel que tu me destes era vidro e se quebrou…” Não, agora o anel não é mais de vidro, nem há anel, pois ele simboliza compromisso. E esse amor pós-moderno e líquido é avesso à estabilidade e compromissos.

A verdade que Bauman discorre é que o amor virou mais um objeto de consumo. Exatamente isso. E, como ele mesmo observa, o consumo está cada vez mais rápido, fácil e descartável. O acesso a ele é simples: o desejo de hoje é facilmente saciável, mas dura pouco tempo. E tem essa vida útil curta propositalmente. Enquanto isso, novos desejos surgem, mais necessidades são criadas, e precisamos desesperadamente consumir, consumir, consumir. Como gafanhotos numa plantação, só que a plantação nunca acaba porque sempre há novos horizontes à vista. Os publicitários são bons nisso. Se consumimos tudoe tão rapidamente por que, afinal, não consumiríamos uns aos outros? Não estaríamos seguindo a lógica da vida líquida.

Mas esse post é só a ponta do iceberg. Minha mente ainda está digerindo toda essa realidade triste e apavorante. Quero amigos que leiam algum texto do Bauman e estejam dispostos a realizar um sarau sociológico &literário para discutir essas idéias. Trocar figurinhas, impressões e experiências. Porque esse livro serviu para me revoltar. Quero nadar contra a correnteza, seguir o que sinto e acredito. Fez-me perceber que estou inserida nessa verdade, porém quero ter a opção de fazer diferente. Do meu jeito. Da maneira que creio ser o melhor caminho. E se houver alguém que também queira, então vamos acreditar juntos. Afinal, parafraseando Raulzito, sonho que se sonha junto é realidade.